terça-feira, 8 de junho de 2010

Origens do conflito Israelita-Palestino

Ben Gurion e as origens do conflito Israelita-Palestino

"A lembrança, vaga agora, remete-me à noite de 14 maio de 1948. Vejo-me caminhando pelas ruas do Bom Fim. Vejo fisionomias radiantes, ouço gritos de júbilo... O Estado de Israel acabava de ser proclamado. Eu não podia me dar conta do que aquilo exatamente significava, mas a emoção me invadia irresistivelmente. O Estado judeu era uma realidade.

Se para um garoto de onze anos a data revestiu-se de tal significado, imagine-se o que ela representou para os adultos, muitos deles emigrantes da Europa Oriental, vários sobreviventes do Holocausto. Imagine-se o que significou para as comunidades judaicas de todo o mundo. A sensação era de que um sonho enfim estava se realizando. Aliás, não era só sensação: era aquilo mesmo. Um sonho se realizava". (Moacyr Scliar) [1]


Como sociólogo aprendi que não é possível compreender um fenômeno, para além das aparências, se não apreender seu movimento interno desde as origens.[2] Como afirma Meron Benvesti, autor de A História Sepultada da Terra Santa desde 1948, ex-vice-prefeito de Jerusalém:

Para compreender verdadeiramente a herança palestina e israelense de ódio, é preciso voltar às experiências pioneiras dos primeiros colonos sionistas que tentaram assentar-se na sua terra ancestral, habitada por uma comunidade hostil, e a ira árabe que saudou essa intrusão de forasteiros. Esse trágico encontro está profundamente marcado na consciência de ambas as comunidades e define suas percepções. [3]
Até a I Guerra Mundial, a Palestina esteve sob controle do Império Otomano. É ainda no século XIX (1881-1900), que ocorre a primeira Aliah [4], a imigração judaica para as terras palestinas. O sionismo moderno, sob inspiração de Theodor Herzl, dava então seus primeiros passos encaminhando os primeiros chalutzim (pioneiros) para a Terra Santa. Estes enfrentavam as mais duras condições de vida. M. Michel Bar-Zohar, o biógrafo do fundador do Estado israelita, Ben Gurion, descreve a Palestina nestes anos:

Esta antiga pátria nada tem em comum com o Paraíso terrestre descrito pelos escritores bíblicos. As guerras, o abandono, a erosão, a indiferença de povos estranhos que se sucederam sem criar raízes na região, fizeram muitos estragos. Os vergéis e as margens de riso do Cântico dos Cânticos metamorfosearam-se em espaços áridos. Os pântanos, onde viceja o impaludismo, dominaram as férteis planícies costeiras e os ricos vales do interior. O sol implacável abrasava as montanhas da Judéia, transformadas em esqueletos de rochas desnudas. A Palestina tornou-se o ponto negro, o território mais desprezado do Império Otomano. [5]
É certo que os palestinos durante muito tempo foram majoritários naquela área. Mas já se encontrava uma minoria judaica dispersa pelo território palestino. Alguns deles descendiam de ancestrais que nunca deixaram a Terra Santa e que sobreviveram aos vários editos de expulsão. Outros eram originários de outras regiões do Império Otomano e do mundo mulçumano. “Formavam uma comunidade fatalista despida de iniciativa. Singelos e inocentes, aguardam com uma paciência oriental a chegada do Messias, o verdadeiro...”, escreve Bar-Zohar. [6]

Nos primeiros tempos da aliah, muitos judeus da diáspora nem mesmo aceitavam a idéia da possibilidade da supremacia judaica na Palestina. Os próprios financiadores da aventura do povoamento judaico na palestina eram tidos como loucos. Sir Moses Montifiori, um desses loucos, lançou, em 1839, o primeiro projeto de colonização. Foi por sua iniciativa que, em 1856, estabeleceu-se a primeira plantação agrícola de laranjas sob controle judaico em terras palestinas. Carl Neter fundou, em 1870, uma colônia agrícola em Mikve Israel. E o Barão Edmundo Rothschild, o mais famoso, comprou terras e criou colônias agrícolas, enviando seus instrutores para ajudar os primeiros pioneiros.

Não se imaginava que a humanidade pudesse vivenciar os horrores do Holocausto, mas os judeus ainda passavam pelo sofrimento milenar da perseguição, da discriminação e dos pogroms. A realidade cruel do Judeu Errante em busca da sua terra, da sua pátria, alimentou o sonho de muitos jovens chalutzim organizados em colônias coletivas, o Kibutz.

O movimento chalutziano, manifestado pela aliah em suas diversas etapas foi a espinha dorsal da colonização judaica. Para Ben Gurion, este movimento “eleva o homem, enriquece sua vida, descobre nele forças latentes; em suma, o chalutzianismo é a parcela superior do homem.” [7]

Tratava-se de acreditar e contar com suas próprias forças, ainda que pequenas. Ben Gurion enaltecia os chalutzim:

Os vintes rapazes e moças que há trinta anos fundaram nas margens do Jordão a primeira comuna, fizeram para a história judaica e universal, para o movimento trabalhador judeu e internacional mais do que toda a massa de socialistas e revolucionários judeus que se atrelaram ao carro revolucionário dos grandes povos e zombaram da obra “desprezível” e rara dos chalutzim em Eretz Israel. [8]
Desde o início, os chalutzim tiveram que enfrentar a resistência árabe. Estes, à época do Império Otomano, constituíam uma população de cerca de 500 mil. A população judaica, crescendo pouco a pouco com a chegada de diversas levas de imigrantes, atingiria, no ano de 1930, a casa dos 300 mil. A reação árabe se intensificou, e estes conseguiram que o governo britânico restringisse a imigração judaica à região – a Palestina passara para o domínio inglês após a I Guerra Mundial. Observe-se que à época o nazismo avançava na Europa.

Um fato ilustrativo do potencial conflituoso entre essas populações, ocupando e reivindicando o mesmo espaço, ocorreu na páscoa judaica de 1909, assim relatado por Bar-Zonhar:

O núcleo de Sejera está em festa. Os muros da sala principal estão decorados com armas e ferramentas agrícolas, símbolo da dupla finalidade dos pioneiros: trabalho e defesa. Mas, neste dia tudo se concentra nas canções e nas danças.
Inesperadamente, ressoa um grito. Junto à porta, um jovem ainda trêmulo. Com voz rouca, conta que ele e seus dois amigos que vinham de Haifa foram atacados por três árabes armados, com intenções de pilhagem. Após sangrenta reação, conseguiram escapar. Um dos árabes morreu. [9]
A reação não tardou. Rezava a tradição que os membros da tribo do morto deveriam, por sete dias, vingá-lo. E assim ocorreu. No oitavo dia da Páscoa, Israel Korngold, sentinela do núcleo, é morto e seu rifle roubado. “Neste dia eu entendi muitas coisas”, conta Ben Gurion. “Eu entendi que mais dias menos dias, teríamos a prova de força com os árabes. A partir desse momento em Sejera, compreendi que o conflito era inevitável. O que se passou em Sejera era uma brincadeira ante as dificuldades que nos esperavam. Devíamos nos preparar para enfrentá-las.” [10]

E, infelizmente, o Profeta Armado estava certo. As duas comunidades ainda se enfrentariam por várias oportunidades. Nestes confrontos prevalece a lei do mais forte. Ben Gurion compreendeu bem isto. No mesmo dia em que ele declarou a fundação do Estado de Israel, este foi atacado pelos exércitos da Jordânia, Egito, Síria, Iraque e Líbano. Foi sob a liderança de Ben Gurion que os judeus derrotaram-nos.

Desde então, vemos uma guerra que parece não ter fim. Seu fundamento reside numa questão aparentemente simples: a disputa de terra. Sob beneplácito da ONU, e com a simpatia mundial, horrorizada com o Holocausto que ceifou a vida de milhões de judeus, concedeu-se aos mesmos o direito de terem o seu território, a sua própria pátria. Mas, a mesma ONU estabeleceu um plano de partilha do território palestino, criando também o Estado da Palestina. Para os palestinos, esse plano ainda não saiu do papel.

Os árabes demonstraram então que não aceitariam o Estado Judeu – e manifestaram-no novamente na Guerra dos Seis Dias, em 1967. O Estado judeu, por seu turno, procurou se fortalecer e conseguiu um grande aliado: os Estados Unidos da América. A guerra fria, o fato da comunidade judaica neste país ser uma das maiores e mais importantes do mundo e a capacidade de Ben Gurion, em termos de política exterior, foram determinantes.

A expansão do Estado judaico procurava, como hoje, dar uma resposta ao problema da segurança, ou seja, à questão da própria sobrevivência do Estado. A colonização de terras palestinas insere-se neste contexto. Por outro lado, criou-se outro enorme problema para a paz: a questão dos refugiados. Ben Gurion percebeu bem este dilema e observou o quanto a situação dos refugiados era desesperadora. “Eles constituem um fator de complicações e perigos no desenvolvimento de nossas relações com os países vizinhos”, afirmou. [11]

São dois nacionalismo que se antagonizam: o judeu e o árabe. De um lado, a frustração da população árabe que vivia na palestina diante da implantação do Estado de Israel; uma população expulsa das suas terras e submetida à força do Estado judeu, sem possibilidades de estabelecer a sua pátria, o seu Estado autônomo. De outro, o Estado Judeu, sentindo-se com o direito milenar àquelas terras e sob ameaça constante dos seus vizinhos. De um lado, a necessidade de reconhecimento do Estado palestino; de outro, o direito à existência do Estado israelense. Em suma, uma disputa pelo mesmo espaço territorial entre dois povos, ambos reivindicando direitos históricos sob a área.

Na apresentação da biografia de Ben Gurion, visto por Maurício Tragtenberg como a “versão hebraica de Maquiavel e o “Príncipe” é substituído pelo “Velho Testamento”, ele escreveu:

“Dizia Napoleão ser a política, a forma moderna da tragédia. Por outro lado, a pureza dos princípios não só tolera como requer as violências e Israel não é a exceção”. [12]
Em nossos dias a violência se traduz na fúnebre dialética entre o medo e o terror, estabelecendo um círculo de mortes de parte a parte. As acusações mútuas não substituem a necessidade da paz. Israel não estará seguro enquanto houver um homem e uma mulher palestina dispostos a se explodirem pela causa da libertação; os palestinos não estarão seguros enquanto o Israel não superar o medo. O apoio da maioria da população israelense ao terrorismo de Estado, expressão da política de Sharon – a julgar pelas pesquisas divulgadas na imprensa – e, por outro lado, a simpatia com que conta os homens e mulheres bombas entre a população palestina, são os dois lados de uma tragédia que une, para o bem ou para o mal, estes povos. O conflito atual mostra que a obra de Ben Gurion ainda encontra-se inacabada.


1 - In: HERZL, Theodor. O Estado judeu. Rio de Janeiro, Garamond, 1998.
2 - As origens do povo judaico, para além da modernidade, remontam aos tempos bíblicos. Não cansarei o leitor: me aterei ao período mais recente. De qualquer forma, vale a pena recorrer ao textos do livro sagrado e ler, por exemplo, Êxodo.
3 - Citado in: Clovis Rossi. População transita entre estigmas de “bons” ou “cruéis”. Folha de S. Paulo, 07.04.02, p. A-24.
4 - Palavra hebraica que indica ascensão, subida, ou seja, viagem a Sion, com o fim de radicar-se definitivamente. Designa as várias etapas de imigração judaica para a Palestina.
5 - BEN-ZOHAR, M. Michel. Ben Gurion: O Profeta Armado. São Paulo, Editora Senzala, 1968, pp. 43-44. (Apresentação e tradução de Maurício Tragtenberg)
6 - Idem, p. 44
7 - BEN GURION, David. O despertar de um Estado. Editora Monte Scopus, 1957, p.150.
8 - Idem, p. 28
9 - BAR-ZOHAR, op. cit., p.52
10 - In Idem, p. 53
11 - BEN GURION, op. cit., p. 100
12 - A frase é de Maurício Tragtenberg, da aprensentação do livro Ben Gurion, O Profeta Armado, p. 07.


ANTONIO OZAÍ DA SILVA

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